João de Almeida Santos
Há algum tempo, numa conferência na «Bocconi», de Milão, o sociólogo Manuel Castells disse mais ou menos isto: «a “mass self communication” foi um dos elementos fundamentais para a vitória de Obama». O que é que significa este novo conceito, introduzido precisamente por Castells? Significa o seguinte: «comunicação individual de massas». Um aparente paradoxo que traduz bem a possibilidade de afirmação do indivíduo singular no interior de um vasto universo de indivíduos globalizados, no interior de uma espécie de multidão solitária ou de solidão múltipla, glosando Virilio.
Ou seja, trata-se de um novo conceito que procura traduzir, de forma rigorosa, os efeitos sociais da comunicação em rede. Este modelo de comunicação rompe com uma característica fundamental da comunicação própria dos chamados «media» tradicionais, da imprensa à televisão. Esta era uma comunicação de tipo «broadcasting», de «um-para-muitos», que partia de um centro emissor e se dirigia precisamente a receptores indiferenciados, às massas.
O espaço público era controlado pelos agentes orgânicos do sistema mediático e o acesso a ele dependia da sua vontade orgânica. Tecnicamente, esta função de controlo é conhecida como «gatekeeping», sendo os seus agentes designados como «gatekeepers», os «agentes orgânicos do sistema mediático». Ora, a nova «comunicação individual de massas», tornada possível pela Rede, precisamente porque é, ao mesmo tempo, individual e de massas, vem romper com esta exclusividade de controlo, no acesso ao espaço público, pelos «gatekeepers» e permitir que cada indivíduo possa, autonomamente, sem pedir licença a ninguém, entrar directamente neste espaço, condicionar as agendas pública e política e criar uma rede de relações completamente diferente e autónoma relativamente ao espaço público tradicional, físico ou mediático.
Este novo modelo de comunicação vem, em primeiro lugar, interagir fortemente com a comunicação de tipo «broadcasting» dos «media» tradicionais, retirando-lhes a exclusividade no acesso ao espaço público e ameaçando mesmo o seu domínio sobre um espaço que deixou de ser exclusivamente físico ou mediático para passar a ser «espaço público digital».
Mas, em segundo lugar, e como é natural, este novo modelo comunicacional também vem interagir fortemente com a política. Como sabemos, uma das tendências que mais se impuseram nas últimas décadas foi a de uma crescente homologação do discurso político às exigências operativas do discurso mediático, em particular ao discurso televisivo, com os resultados simplificadores que se conhece.
Poderíamos, assim, dizer que temos vindo a viver num tempo de política «broadcasting». Este tipo de política corresponde, assim, àquilo que muitos designam por «democracia do público», herdeira da velha «democracia de partidos». Ora, a emergência da «mass-self communication» está já a produzir efeitos não só no plano da reorganização do próprio espaço público, mas também no plano da política. Efeitos no próprio modelo de comunicação e na sua lógica interna.
Com efeito, este novo modelo substitui a comunicação de tipo vertical por uma comunicação de tipo horizontal, ou seja, substitui a comunicação de tipo «one-to-many» pela de tipo «many-to-many». De uma lógica de tipo substancialista, determinada pela relação sujeito-objecto, passa-se a uma lógica de tipo relacional, entre variáveis equivalentes entre si e, portanto, intercambiáveis.
O que significa isto? Significa que, neste modelo de comunicação, o acesso dos indivíduos ao espaço público passa a depender somente deles próprios e que a partir da base do sistema social é possível entrar directamente no espaço público e condicionar as próprias agendas mediática, política e pública. Mas significa também que, a partir da base, é possível construir redes de relações imateriais que, depois, se podem replicar e alargar na sociedade como redes de relações materiais interpessoais. É o espaço próprio de uma nova política: a «política digital».
Todos nos lembramos – a propósito da relação entre rede (neste caso, móvel) e política - do que aconteceu em Espanha, na fase final das eleições legislativas de 2004. Todos vimos o que aconteceu nas eleições americanas. É o próprio Castells que o diz: «a mass self communication foi um dos elementos fundamentais para a vitória de Obama». Mas ele diz mais: 67% dos donativos recolhidos pelo Senador do Illinois chegaram via Internet (contra os 20% de Hillary Clinton, nas primárias, e os 17% de McCain).
São dados tão significativos que não é possível deixar de tirar ilações sobre os efeitos da «mass-self communication». Mas não nos iludamos. A política «broadcasting» ainda continua muito forte, mesmo entre aqueles que já se converteram à nova realidade comunicacional. Incluído Barack Obama. É claro que a extrema personalização da política contribui fortemente para isso. E que as consequências disto ainda são muito relevantes: segundo informações do jornalista italiano Mario Calabrese, Obama terá gasto, em política «broadcasting», com um «spot» de meia hora, transmitido pelas Cbs, Nbc e Fox, cerca de 5 milhões de dólares. Um excesso! Mas a verdade é que não foi nisto que residiu a verdadeira novidade.
Que consequências poderemos tirar desta nova realidade? Em primeiro lugar, que continua forte a «política broadcasting», a tal que sempre coexistirá com a «forma-sofá» de ver o mundo. Mas, em segundo lugar, que está a emergir um cidadão capaz de transformar o mundo a partir da sua própria «subjectividade-em-rede». E esse está a crescer e a multiplicar-se à margem da «política broadcasting». É a emergência e a afirmação daquele poder a que Jesús Timoteo - no seu excelente livro sobre la «Gestión del poder diluído», de 2005 – chama precisamente «poder diluído»!
Ou seja, trata-se de um novo conceito que procura traduzir, de forma rigorosa, os efeitos sociais da comunicação em rede. Este modelo de comunicação rompe com uma característica fundamental da comunicação própria dos chamados «media» tradicionais, da imprensa à televisão. Esta era uma comunicação de tipo «broadcasting», de «um-para-muitos», que partia de um centro emissor e se dirigia precisamente a receptores indiferenciados, às massas.
O espaço público era controlado pelos agentes orgânicos do sistema mediático e o acesso a ele dependia da sua vontade orgânica. Tecnicamente, esta função de controlo é conhecida como «gatekeeping», sendo os seus agentes designados como «gatekeepers», os «agentes orgânicos do sistema mediático». Ora, a nova «comunicação individual de massas», tornada possível pela Rede, precisamente porque é, ao mesmo tempo, individual e de massas, vem romper com esta exclusividade de controlo, no acesso ao espaço público, pelos «gatekeepers» e permitir que cada indivíduo possa, autonomamente, sem pedir licença a ninguém, entrar directamente neste espaço, condicionar as agendas pública e política e criar uma rede de relações completamente diferente e autónoma relativamente ao espaço público tradicional, físico ou mediático.
Este novo modelo de comunicação vem, em primeiro lugar, interagir fortemente com a comunicação de tipo «broadcasting» dos «media» tradicionais, retirando-lhes a exclusividade no acesso ao espaço público e ameaçando mesmo o seu domínio sobre um espaço que deixou de ser exclusivamente físico ou mediático para passar a ser «espaço público digital».
Mas, em segundo lugar, e como é natural, este novo modelo comunicacional também vem interagir fortemente com a política. Como sabemos, uma das tendências que mais se impuseram nas últimas décadas foi a de uma crescente homologação do discurso político às exigências operativas do discurso mediático, em particular ao discurso televisivo, com os resultados simplificadores que se conhece.
Poderíamos, assim, dizer que temos vindo a viver num tempo de política «broadcasting». Este tipo de política corresponde, assim, àquilo que muitos designam por «democracia do público», herdeira da velha «democracia de partidos». Ora, a emergência da «mass-self communication» está já a produzir efeitos não só no plano da reorganização do próprio espaço público, mas também no plano da política. Efeitos no próprio modelo de comunicação e na sua lógica interna.
Com efeito, este novo modelo substitui a comunicação de tipo vertical por uma comunicação de tipo horizontal, ou seja, substitui a comunicação de tipo «one-to-many» pela de tipo «many-to-many». De uma lógica de tipo substancialista, determinada pela relação sujeito-objecto, passa-se a uma lógica de tipo relacional, entre variáveis equivalentes entre si e, portanto, intercambiáveis.
O que significa isto? Significa que, neste modelo de comunicação, o acesso dos indivíduos ao espaço público passa a depender somente deles próprios e que a partir da base do sistema social é possível entrar directamente no espaço público e condicionar as próprias agendas mediática, política e pública. Mas significa também que, a partir da base, é possível construir redes de relações imateriais que, depois, se podem replicar e alargar na sociedade como redes de relações materiais interpessoais. É o espaço próprio de uma nova política: a «política digital».
Todos nos lembramos – a propósito da relação entre rede (neste caso, móvel) e política - do que aconteceu em Espanha, na fase final das eleições legislativas de 2004. Todos vimos o que aconteceu nas eleições americanas. É o próprio Castells que o diz: «a mass self communication foi um dos elementos fundamentais para a vitória de Obama». Mas ele diz mais: 67% dos donativos recolhidos pelo Senador do Illinois chegaram via Internet (contra os 20% de Hillary Clinton, nas primárias, e os 17% de McCain).
São dados tão significativos que não é possível deixar de tirar ilações sobre os efeitos da «mass-self communication». Mas não nos iludamos. A política «broadcasting» ainda continua muito forte, mesmo entre aqueles que já se converteram à nova realidade comunicacional. Incluído Barack Obama. É claro que a extrema personalização da política contribui fortemente para isso. E que as consequências disto ainda são muito relevantes: segundo informações do jornalista italiano Mario Calabrese, Obama terá gasto, em política «broadcasting», com um «spot» de meia hora, transmitido pelas Cbs, Nbc e Fox, cerca de 5 milhões de dólares. Um excesso! Mas a verdade é que não foi nisto que residiu a verdadeira novidade.
Que consequências poderemos tirar desta nova realidade? Em primeiro lugar, que continua forte a «política broadcasting», a tal que sempre coexistirá com a «forma-sofá» de ver o mundo. Mas, em segundo lugar, que está a emergir um cidadão capaz de transformar o mundo a partir da sua própria «subjectividade-em-rede». E esse está a crescer e a multiplicar-se à margem da «política broadcasting». É a emergência e a afirmação daquele poder a que Jesús Timoteo - no seu excelente livro sobre la «Gestión del poder diluído», de 2005 – chama precisamente «poder diluído»!